sexta-feira, 12 de junho de 2020

Análise não-verbal: Homem invade a Globo e faz uma repórter de refém. Linguagem corporal do negociador

Recentemente, um homem invadiu a emissora de televisão "Globo" e, com uma faca, fez uma repórter de refém.
Segundo informações, o invasor tinha como objetivo falar com a, também jornalista, Renata Vasconcellos, como não a achou, fez de refém a repórter Marina Araújo.
Diante do fato, a Polícia Militar foi chamada ao local. O Coronel Heitor Henrique Pereira conduziu toda a negociação, que terminou na liberação da refém e prisão do invasor
Como foi a linguagem corporal utilizada pelo Coronel para ser bem sucedido na negociação?

Por não termos acesso ao vídeo completo da negociação, vamos analisar o trecho encontrado.

Vamos à análise:

No começo do vídeo, o Coronel pede pra o invasor larga a faca e diz que vai se afastar.
Em 0:03, mesmo de costas, podemos ver o Coronel mostrando as palmas de suas mãos e se afastando.
De acordo com a doutrina de Comunicação Não-Verbal, mostrar as mãos indicar honestidade, confiança, que não tem nada a esconder.
Segundo o antropólogo Desmond Morris, esse gesto se origina da antiguidade, quando as pessoas, no início da interação, mostravam as mãos para demonstrar que não carregavam armas - a interação poderia continuar sem riscos.
Esse gesto é extremamente congruente com o contexto de negociação, e cria um vínculo de confiança com o assaltante, invasor

Juntamente, vemos o coronel se afastando. Esse movimento de distanciamento aumenta a "Proxêmica" em relação ao indivíduo.
A proxêmica, é o estudo das distâncias em uma interação interpessoal. Quanto maior a distância entre os indivíduos, maior é a liberdade que eles têm de se moverem pelo ambiente caso haja algum tipo de confronto.
Além desse conceito, a distância maior também indica dominância. De acordo com a doutrina focada em liderança, o indivíduo dominante ocupa uma maior área espacial, logo, este mantém um maior distanciamento de quem ele julga submisso.
Essa atitude do Coronel foi extremamente positiva, pois além de reafirmar o que falou que iria fazer, dá ao invasor o status de dominante da relação
De acordo com estudos, as pessoas que agem com comportamentos criminosos, como no caso em análise, desejam ser dominantes na relação; desejam ter a atenção voltada para eles.
Ao fazer isso, o coronel "deu poder a quem quer poder" e ao fazer isso, ele aumentou o nível de confiança do invasor nele.

A partir de 0:10, ao pedir pro Câmera se afastar mais, o Coronel demonstra gestos amplos e acima dos ombros.
Gestos amplos e acima, nesse contexto, indicam a intenção de mostrar para o invasor que suas mãos estão à mostra, e que, portanto, ele não esconde nada; que nenhum movimento minimalista será feito, que possa dar a entender ao invasor que alguma arma ou equipamento será pego e utilizado contra o mesmo.
Em outras palavras, a intenção desse tipo de gesto, nesse contexto, é manter o invasor percebendo que ele não corre riscos.

A partir de 0:12, podemos ver que o Coronel não expõe a palma de sua mão esquerda - que está direcionada para trás.
Esse movimento não é aconselhável pois pode causar desconfiança no invasor.
Provavelmente aqui, o nível de confiança que o Coronel conseguiu já está alto, fazendo com que esse gesto que, deve ser evitado nesse contexto, não tenha tido um efeito negativo.
Aqui, provavelmente, o invasor estava escutando algo positivo para ele.

A partir de 0:25, o Coronel diz: "Rapaz, eu tô dando a minha palavra [que vai levá-lo até a Renata Vasconcellos]. Eu tô dando a minha palavra. Eu sou Comandante do 23. Eu tô dando a minha palavra para você"
Ao falar que é "Comandante do 23" ele usa sua posição de Comandante para criar mais confiança no invasor de que ele vai ter o que procura. De acordo com estudos de persuasão, correlacionar um desejo a uma posição hierarquicamente alta, gera mais confiança de que as coisas vão acontecer de forma positiva para o outro indivíduo.
Podemos observar também a Paralinguagem do General. Ele usa um tom de voz firme, alto e sem tremulações e variações vocais. Tudo isso indica assertividade, certeza. O que contribui para manter ou aumentar o nível de confiança do invasor, nele.

Esse tom de voz firme e positivo para esse contexto, é mantido durante toda a negociação

Em 0:40, ao demonstrar alguma coisa para o invasor, ele posiciona a palma de sua mão na vertical, perpendicular ao chão.
A posição da palma nesse sentido demonstra uma neutralidade. O Comandante não se coloca em uma posição de dominância e nem em uma posição de submissão. Também denota assertividade de forma neutra
Percebam que seu gesto continua amplo, com o mesmo intuito de deixar tudo às vistas do invasor, sem esconder nada.

A partir de 0:46 ele diz: "Meu amigo, eu estou te dando a minha palavra"
No começo desse trecho, ele mostra novamente a palma das mãos para o invasor, indicando confiança e assertividade, e que não tem nada a esconder.
Apesar disso, ele possui sua cabeça elevada em um ângulo maior que 90º. Essa posição de cabeça denota agressividade, arrogância.
Essa posição de cabeça não é muito aconselhada nesse contexto, mas como já dito antes, o nível de confiança que o Comandante já conseguiu do invasor é alta, fazendo com que esse gesto, a princípio negativo para o contexto, não tenha tanto peso.

A partir de 0:53 o Comandante diz: "To desarmado, aqui ó"
Nesse momento ele mostra a palma de suas mãos. Novamente um gesto muito positivo.
Ele significa que não tem nada a esconder e que, literalmente, está desarmado.

Em 0:54, ele continua: "Quer que eu tire o colete também? Eu tiro"
Essa frase foi utilizada para reafirmar a confiança.
O colete, em um PM é um acessório de proteção. Quando ele sugere tirar o colete, ele tem a intenção de demonstrar para o invasor que confia nele - pois ele estaria totalmente despido do que protege sua vida, expondo áreas vitais.
De acordo com Desmond Morris, expor áreas vitais para outra pessoa, passa a ideia inconsciente de que você confia na pessoa a quem está expondo.
Para a Neurociência, quando você demonstra confiar na pessoa, esta, , se sente na obrigação, de forma inconsciente, a confiar nela também. Nesse caso é fundamental que tenha esse laço de confiança pois mostra pro invasor que ele não está sendo subestimado; e como, o desejo do invasor é ser o dominante no contexto, ser subestimado é extremamente negativo.

Em 1:06 o Comandante diz: "A gente vai até ela [Renata Vasconcellos]"
Novamente podemos ver gestos amplos e acima dos ombros.

Em 1:11, o Coronel Heitor diz: "Eu vou sair, não vai chegar ninguém perto. Eu vou ver aonde a Renata está"
Ao dizer que vai sair, ele novamente realiza um gesto extremamente congruente, apontando para a saída atrás dele. Esse gesto é realizado novamente de forma ampla.
Nesse tipo de contexto, até mais do que em outros, é importante que haja completa congruência entre a linguagem verbal e a não-verbal. A incongruência, pode demonstrar, de forma inconsciente, para o invasor que não existe sinceridade, podendo haver uma quebra da confiança, em algum nível.

A partir de 1:16 o Comandante diz: "Eu to saindo"
Nesse momento ele vai se afastando e demonstra a palma das mãos.
Congruência e sinceridade. Mantendo a relação de confiança entre ele e o invasor.

Em 1:24, o Coronel ao pedir pro câmera se afastar, realiza novamente gestos amplos e acima dos ombros.
Como já foi dito, gestos amplos e acima dos ombros reafirma a confiança. O invasor pode perceber que há sinceridade, pois as mãos estão à vista e o gesto está congruente.

Em 1:32, o Comandante Heitor pergunta o nome do invasor.
O nome é a informação mais importante a nosso respeito. É considerada a nossa identidade. É a nossa marca. Perguntar pelo nome demonstra que existe interesse em nós, em saber quem nós somos.
Quando o Comandante pergunta o nome do invasor, sua intenção é chamá-lo pelo nome, e, de acordo com Paulo Sérgio de Camargo, isso cria empatia e dá importância especial a pessoa, no caso ao invasor.
Ao se sentir importante, o invasor mantém a confiança e conexão com o Comandante.

Em 1:35, novamente o Comandante mostra a palma das mãos.
Confiança, sinceridade. Não há nada a esconder.

* Podemos observar uma coisa muito interessante do invasor. Durante todo o vídeo podemos vê-lo usando máscara como uma possível proteção ao Covid-19. Isso indica que ele se preocupa com a própria saúde e integridade.
Geralmente bandidos, invasores, assaltantes, não tem essa preocupação.
Aqui estamos falando de uma "hierarquia de valores". No topo da Hierarquia estão os valores mais importantes para nós.

A preocupação pelo uso de máscara demonstra que ele tem sua saúde como um valor mais importante do que ir a uma emissora, fazer refém para conhecer uma jornalista.
Comumente, isso não acontece em indivíduos que praticam essas atividades criminosas. Geralmente o comportamento criminoso tem um valor mais alto.

Isso pode nos mostrar que esse invasor não tem essa prática criminosa como algo intrínseco à sua identidade, e sim à seu comportamento, de acordo com os "níveis neurológicos" trazidos por Robert Dilts.


SUMÁRIO: O Comandante Heitor Henrique Pereira, ao negociar com o invasor demonstrou sinais não-verbais e se utilizou de técnicas que criam e potencializam a empatia e a conexão.
A todo momento demonstra a palma das mãos indicando sinceridade, confiança e que não tem nada a esconder.
Durante a negociação demonstrou um tom de voz firme, assertivo.
Em alguns momentos, por mais que alguns sinais não sejam tão aconselhados, o nível de confiança que o Comandante criou com o invasor foi tão positivo, que esses sinais não influenciaram.

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