quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Análise não-verbal: Ex-jornalista do SBT e o pedido de desculpas


A atual ex-jornalista do SBT, Melissa Munhoz, em abril de 2018 se envolveu em um desentendimento acalorado com um guarda-municipal na cidade do Rio de Janeiro.
Enquanto a jornalista estava gravando uma matéria para a emissora paulista, o automóvel que transportava a equipe se encontrava estacionado de forma irregular, de acordo com as leis de trânsito. O guarda municipal resolveu multar o veículo, o que gerou a revolta da jornalista. A partir daí iniciaram uma imensa discussão com xingamentos, ameaças e etc.
Alguns dias após o ocorrido, a jornalista fez um vídeo aonde pede desculpas pelo destempero e pelo ocorrido. Baseado em estudos científicos de análise do comportamento não-verbal e análise do discurso, o que podemos dizer desse pedido de desculpas?

Vamos à análise:


Logo no começo do vídeo, aos 0:02, a repórter ajeita os cabelos atrás da orelha. Com esse gesto ela se prepara para dar entrevista. Não-verbalmente, ele significa que a repórter está experimentando um estado emocional Beta e deseja tentar buscar um estado Alfa.
O estado emocional beta é aquele que vivenciamos quando estamos nervosos, tensos, temos pouca confiança. Já o estado alfa consiste naquele e, que há confiança, segurança, assertividade.
No contexto, ela realiza esse gesto antes de falar que está feliz. Incongruência. A felicidade é uma emoção que coloca o indivíduo em estado alfa, e não em estado beta.

Em 0:06, a repórter eleva apenas o ombro direito ao afirmar que sabe que nem todos vão entender. Esse gesto conhecido como "emblema parcial" tem vários significados dependendo do contexto. De acordo com Joe Navarro, esse gesto pode estar ligado a falta de comprometimento com o que está falando. Jack Brown, afirma que um de seus significados pode ser "eu não ligo" de forma velada - ela não quer passar essa mensagem aos espectadores, mas o corpo denuncia sua verdadeira intenção.

Em 0:08 ela faz um macro gesto subindo os dois ombros. Reparem que ao subi-los eles ficam em níveis diferentes. Nesse contexto, esse gesto é chamado de "Turtle Effect". Ele ocorre quando o sistema límbico deseja proteger o individuo de uma exposição. Ele ocorre mediante a resposta de "paralisar" - uma das respostas ao medo
O desnível dos ombros indica alta tensão, nervosismo e até descrença no que está a falar
Esse gesto é realizado no momento em que ela verbaliza que podem até "atacá-la gratuitamente".

Aos 0:14 temos um momento bem interessante. A repórter Melissa Munhoz pede desculpas emitindo um gesto com as mãos chamado de "Falsa Reza". Quando diante desse gesto, devemos prestar atenção em alguns detalhes para que possamos interpretar da forma correta.
O primeiro é observar a face do agente. Se a face demonstrar emoções como desprezo, raiva, o gesto tem uma intenção de condescendência, arrogância. Se a emoção fora positiva, e dependendo do contexto, o gesto pode significar uma solicitação (nesse caso, outas pistas não-verbais devem estar presentes para que esse significado se confirme).
Em segundo lugar devemos prestar atenção na direção da ponta dos dedos. Se eles estiverem direcionados para cima, pode ser um pedido (assim como na reza); se estão direcionados para frente, o significado de arrogância, condescendência é acentuado. Nesse caso, há uma incongruência com pedido de desculpas. Não pode haver arrogância em pedido de desculpas; a não ser que tenha a intenção completamente racional.

Em 0:26, a repórter verbaliza "Durante o desentendimento, eu me excedi".
Enquanto fala "... eu me excedi", reparem que ela executa um conjunto gestual: ela fecha os olhos, realiza desprezo, toca na região do tórax e sinaliza afirmativamente com a cabeça
O gesto de fechar os olhos é uma forma de não visualização do que está à sua frente, de algum fato ou evento, ou do que falou. A qualidade do vídeo é ruim, mas podemos reparar que existe uma contração unilateral do bucinador indicando desprezo, que pode ser auto-direcionado.
O gesto de tocar no tórax indica "eu". Quando vemos esse gesto temos que prestar atenção em como ele é feito. Se o agente toca com toda a palma da mão no tórax, o quociente de sinceridade é alto, e a intenção é emocional - o que é congruente com um contexto de pedido de desculpas; em contra-partida, se o agente toca apenas com parte das mãos (dedos ou ponta dos dedos, por exemplo), o quociente de sinceridade do gesto é menor e a intenção e completamente racional.
Antes de verbalizar o "eu me excedi" ela faz uma pausa. Essa pausa, nos estudos da análise do discurso, significam que houve uma hesitação em falar o que falou.
Se juntarmos os gestos não-verbais (fechar os olhos, desprezo, toque no tórax com parte das mãos e afirmativa com a cabeça) e a pausa verbal, podemos concluir que a repórter sabe que o que fez a prejudicou socialmente e profissionalmente; e de alguma forma, ela ainda acha que não estava completamente errada na sua discussão. Ela pode estar arrependida pelas suas atitudes; mais pelo prejuízo gerado do que pela falta de razão.

Em 0:38 ela diz que como consequência lógica do que aconteceu, ela acabou perdendo o emprego. Nesse momento ela eleva o ombro direito. Esse gesto, nesse momento significa uma forma de demonstrar de forma velada, impotência. De acordo com Charles Darwin quando ambos os ombros são erguidos, pode haver a intenção de impotência ("O que mais eu posso fazer?"), quando apenas um deles é erguido, essa intenção de impotência ocorre através de um vazamento corporal, ou seja, ela demonstra essa mensagem não-verbal inconscientemente.
Nesse mesmo trecho podemos notar também uma quebra de padrão comportamental: "Qual(is) emoção(ões) que se espera em alguém que perdeu um emprego de anos e que, supostamente, gostava?". A resposta seria tristeza. Nesse momento ela não demonstra essa emoção

Aos 0:46, ela diz que seu nome foi arranhado por pessoas que nem a conhecem. Nesse momento ela nega com a cabeça, e logo depois afirma. Gesto de manipulação. A negação foi realizada de forma racional e a afirmação foi um vazamento corporal.
A interpretação que podemos fazer disso é que ela tem dúvidas se o nome dela foi "arranhado" por essas pessoas, ou pela sua atitude frente ao Guarda Municipal.

Em 0:48 - 0:49 ela faz um gesto ilustrador que representa "aspas". A representação não-verbal de colocar "aspas" é feito com os dois dedos (indicados e médio) movimentando-os para baixo e pra cima. Reparem que ela faz essa ilustração de "aspas" mas apenas com um dedo. Isso pode ser considerado uma incongruência gestual.
Ela faz esse gesto ilustrador ao falar "condenaram". Colocar aspas durante essa palavra significaria dizer que não acredita de fato que foi uma condenação pública; mas como no caso o gesto foi realizado de forma errada, ela acredita sim que condenaram ela pelo que ela fez.

Em 0:55 ela sobe sobe os dois ombros, em desnível, ao verbalizar que condenaram ela sem saber os motivos do destempero. Esse gesto, nesse contexto significa conflito entre o emocional e o racional.
Nesse mesmo trecho ela usa linguagem vaga. Ela diz que foi um destempero, mas não explica o motivo. Quando temos a chance de vir a público para nos defendermos ou explicarmos o motivo por termos feito tal ato equivocado, usamos todos os recursos para que entendam nosso ponto de vista e o por quê de termos feito tal ato. Para tal, a primeira coisa que fazemos é explicar o motivo,isso faz com que se crie conexão e empatia com os interlocutores. A repórter não fez isso; apenas disse que não sabiam o motivo desse destempero.

Em 1:06 ela realiza novamente o "Turtle Effect" querendo se proteger do que fez.

Em 1:11 ela refere a si mesmo tocando de forma parcial no tórax. Está passando a mensagem de forma racional

Em 1:14 ela diz que nunca imaginou que um dia teria um "piti". A expressão "dar um piti" é uma expressão que significa "ficar agressivo, histérico, irritado". De acordo com estudos de Análise do discurso, quando substituímos uma palavra que deveria ser dita por uma expressão, há a intenção de se distanciar do objeto, fugir do que deveria ser dito. O próprio uso de expressões, durante o discurso tem a intenção de convencer, desviar a atenção do interlocutor.
Quando pedimos desculpas, o comportamento correto é dizer que errou e que ficou irritado com o que aconteceu. A repórter não diz que errou e substitui o "ficar irritado" por "dar piti". Não significa que o discurso é mentiroso, mas ela deseja fugir do assunto e do que fez.

A partir de 1:26 ela diz "... ao cair em mim, claro, bate aquele baita arrependimento, e logo veio... a culpa de como permitir tamanho descontrole".
Durante todo o discurso ela usa uma linguagem e uma intonação muito formal para um pedido de desculpas. Essa formalidade verbal pode ser notada muito claramente nesse trecho; ele é cheio de palavras desnecessárias. Todo esse trecho poderia ter sido substituído por "me arrependi"; essa frase é a única que tem valor. "Ao cair em mim", "baita" são totalmente sem valor pro discurso, e sua desnecessidade indica argumento racional, armado, com um baixo quociente de sinceridade.
Ela faz uma pausa antes de dizer "culpa". Essa pausa é hesitação. "a culpa de permitir tamanho descontrole". Novamente usa o recurso de palavras desnecessárias.
Em resumo: Esse trecho não tem um bom quociente de sinceridade devido a hesitação, e a utilização de muitas palavras desnecessárias. Todo esse trecho poderia ser substituído por "Eu sou culpada pelo que fiz e me sinto arrependida", ou simplesmente "Eu me arrependo do que fiz"

Em 1:48, a repórter diz: "dei as explicações e pedi perdão a quem eu havia magoado e ofendido, naquela manhã infeliz".
Ao afirmar que pediu perdão, ela sinaliza sim com a cabeça inclinando para frente. O gesto de inclinar a cabeça para frente está relacionado com afirmação corporal e tentativa de criar conexão, empatia. Está congruente com o que está dizendo, embora tenha elementos de convencimento.

Em 1:54 ela diz que o Agente Municipal a desculpou. Ao afirmar, ela novamente espalma de forma incompleta, a mão no tórax. Indica racionalidade
Não podemos afirmar ao certo como foi esse perdão, mas o gesto, devido a sua racionalidade, cria indícios de que o perdão foi perante a justiça e não de forma emocional e pessoal.

Em 2:10, ela diz que foi absorvida e realiza o gesto de "Falsa Reza" novamente. Dessa vez o gesto está direcionado para cima, podendo significar que ela agradece por ter tido essa absorvição.
De qualquer forma, independente da direção da mão, o gesto projeta um estado emocional alfa e condescendente. Nesse momento, ela se sente superior por ter sido absorvida.

Aos 2:22 ela fala "Gratidão por esse enorme gesto...".
Durante a palavra "gratidão", novamente ele faz um gesto de "Falsa Reza" demonstrando um estado emocional alfa e até arrogante, devido ao direcionamento dos dedos estar para frente.
Podemos notar também, que o ritmo do gesto está diferente do ritmo da fala. Isso demonstra racionalidade e até mentira, em alguns casos

Em 2:25 há momento interessante. Ela verbaliza
"é preciso saber pedir perdão, mas também é preciso perdoar". A conjunção "mas" significa "exclusão" das palavras anteriores ao "mas" e uma importância maior nas palavras posteriores ao "mas". Nesse caso o "é preciso saber pedir perdão" não tem importância para o agente, podendo ser visto até como mentira. Já o "também é preciso perdoar" tem uma importância imensa para o agente. A repórter direciona essa frase para o Agente Municipal. Nesse trecho ela tira toda a importância do pedido de desculpas que fez e está fazendo no vídeo e deposita essa importância no fato de que deve ser perdoada
O afastamento do pedido de desculpas é um caso a ser avaliado. Por que pedir perdão, nesse caso, não tem tanta importância?

Em 3:08 ela massageia as mãos. Esse comportamento é visto em vários trechos do vídeo. Significa um gesto pacificador, cuja a função é se acalmar diante de um momento de tensão, estresse ou ansiedade.
A repórter fecha os olhos, indicando não visualização.

Em 3:13, ela diz "verdadeiras desculpas", e realiza novamente o gesto de toque parcial no tórax. Discurso racional. Essas desculpas não tem a intenção emocional que devem ter. Em outras palavras, ela pede desculpas de forma racional

Em 3:33 ela diz que agradece fortemente ao apoio dos amigos, mas nega com a cabeça. Incongruência.

No final do vídeo em 3:52, ela realiza novamente um gesto similar a "Falsa Reza" ao pedir muita paz às pessoas. Por anos, esse gesto é usado ao pedir paz. É o que eu chamo de gesto clichê. São gestos que ao longo dos anos se tornaram comuns em alguns contextos.
(Lembrem do Miguel Falabella fazendo esse gesto ao final do programa "vídeo show" ao se despedir dos espectadores)

SUMÁRIO: O pedido de desculpas é um ato estritamente emocional, pois deve ser sentido pelo agente. Quando ele ocorre de forma racional, o quociente de sinceridade se torna baixo, pois foi planejado e não sentido.
O quociente de sinceridade não se refere a veracidade ou não do pedido de desculpas, mas recai sobre o sentimento depositado no discurso.
Quando dizemos que ele tem um cunho racional, significa dizer que na grande maioria das vezes, o pedido de desculpas foi armado, pensado, e tem algum interesse racional por trás. Em contrapartida, o pedido sendo emocional, é realizado de forma que não tem a preocupação do agente com possível gagueira, interrupção do raciocínio, as palavras usadas. A intenção não é "falar bonito" e sim "falar o que sente"
A jornalista fez um discurso racional. Não depositou sua emoção.

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